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Uma breve trajetória

Pesquisa realizada pelo CAU/BR em 2016 demonstra que 85% dos lares e das cidades brasileiras são construídos sem supervisão ou auxílio de um profissional arquiteto-urbanista ou engenheiro. As causas deste triste cenário são muitas, como a baixa capacidade de financiamento das famílias, a burocratização das instâncias de regulação urbanística e edilícia, o alto custo relativo da terra, da matéria prima e dos profissionais, entre outros.

A dura realidade urbana brasileira demanda políticas públicas para suprir necessidades de comunidades desprovidas de habitação digna, saneamento e acesso às demais infraestruturas básicas, direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988.

Nos últimos 30 anos, foi possível perceber avanços resultantes da atuação de movimentos sociais que conseguiram lograr importantes conquistas institucionais, como a aprovação da Lei Federal nº 10.257/2001 – o Estatuto da Cidade, bem como a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social – SNHIS e do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS, instituídos pela Lei Federal nº 11.124/2005. Estas conquistas trouxeram para a centralidade da agenda pública o tema da habitação de interesse social.

Um dos capítulos mais recentes e importantes desta trajetória foi a aprovação, em 2008, de Lei Federal 11.888, que assegura o direito das famílias de baixa renda à assistência técnica pública e gratuita. Como parte integrante do direito social à moradia, a Lei da ATHIS procura oportunizar o acesso aos serviços profissionais de Arquitetura e Urbanismo e Engenharia, para a construção, reforma, ampliação de suas moradias, assim como para a regularização fundiária e melhorias urbanísticas de assentamentos urbanos de baixa renda. Essa lei responsabiliza o Estado, em suas diversas instâncias, mas sobretudo as municipalidades, quanto à necessidade de garantir o direito constitucional à moradia de qualidade nos ambientes urbanos.

É preciso, no entanto, abrir espaços acadêmicos para a formação de docentes e profissionais que saibam atuar nos territórios periféricos. Para o Departamento ARQ UFSC e do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo – PósArq UFSC, o curso de Especialização Residência em Arquitetura e Urbanismo apresenta-se como uma oportunidade de ampliar a atuação em ensino, pesquisa e extensão, possibilitando a abertura de novos percursos de formação por meio de um vínculo concreto entre os conteúdos trabalhados em sala de aula e as especificidades da realidade precária de grande parte parte dos lares brasileiros.

A realidade urbana brasileira desafia as universidades para a criação de formas renovadas de atuação, oferecendo percursos formativos pautados em princípios na indissociabilidade entre a teoria e a prática; na abordagem crítica da arquitetura e urbanismo e na participação ativa com as comunidades e os movimentos sociais.

A UFSC, enquanto maior instituição de ensino do estado de Santa Catarina, contribui há décadas para o desenvolvimento social, sob a égide da inclusão, autonomia e pluralidade. Partícipe dessa trajetória desde 1979, o Departamento de Arquitetura e Urbanismo – ARQ atuou e ainda atua na formação de excelência de arquitetos e urbanistas comprometidos socialmente, além de aplicar ações de ensino, pesquisa e extensão que impactam na prática profissional, na construção cidadã e na mitigação dos ônus da desigualdade social brasileira, sobretudo na segregação socioespacial.

Além de docentes historicamente engajados com atividades extensionistas e com o Direito à Cidade, o curso conta com entidades acadêmicas, como o Ateliê Modelo de Arquitetura e Urbanismo – AMA e o Programa de Educação Tutorial – PET/ARQ, enquanto espaços de caráter participativo e horizontal, lastreados no compromisso social da universidade pública.

Este contjunto de atores e entidades, ao longo de suas trajetórias estreitaram laços com comunidades organizadas, movimentos sociais, entidades civis e acadêmicas. O Curso de Especialização em ATHIS é resultado desta longa e profícua caminhada.

No contexto nacional, a discussão acerca do papel do arquiteto e urbanista, nas questões que tocam a esfera edilícia e urbanística da população de mais baixa renda, ganha força no país. Movimentações essas que vêm acompanhadas de conquistas, como a concretização das experiências acadêmicas de curricularização da ATHIS na graduação e a implementação de iniciativas de Residência em Arquitetura e Urbanismo na pós-graduação em universidades federais. No mês de março de 2020, o evento Seminário de Residência em Arquitetura e Urbanismo realizado nas dependências do departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC, que contou com apoio do CAU/SC e da GRANFPOLIS, foi um marco na trajetória na UFSC em busca da concretização da Residência. A bagagem acumulada no Seminário e demais experiências e debates, ajudaram a pavimentar o caminho até este momento de criação do curso de Especialização.

O curso de especialização é, portanto, uma construção coletiva, com a participação de docentes e discentes da graduação e pós-graduação, como também da integração de importantes instâncias da UFSC, como o Departamento de Arquitetura e Urbanismo; Curso de Arquitetura e Urbanismo; Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo; Ateliê Modelo de Arquitetura – AMA; Programa de Educação Tutorial – PET/ARQ; Laboratório de Urbanismo – LabURB; Laboratório de Projetos – LabPROJ.. 

Estas instâncias estão alinhadas no objetivo de desenvolver ações para aqualificação da formação em Arquitetura e Urbanismo, tendo como pano de fundo a preocupação em oferecer à sociedade catarinense e brasileira profissionais capazes de exercer a arquitetura e urbanismo a partir de uma visão humanista, ética e socialmente responsável, sem perder de vista a formação técnica e científica de qualidade. 

A ideia de Residência em Arquitetura e Urbanismo representa uma possibilidade de percurso de formação profissional na linha do que ocorre nos cursos de medicina: um tipo de treinamento em serviço. Este Curso de Especialização apresenta-se como uma forma de aprendizado de natureza metodológica distinta, centrada não na transmissão passiva e descontextualizada de conteúdo, mas no aprendizado recíproco e no conhecimento forjado na prática, na vivência e no trabalho. Significa, portanto, uma trajetória de formação em alternância, onde os problemas vivenciados em uma realidade específica alimentam a geração da reflexão crítica na universidade, de forma a produzir conhecimento e engendrar profissionais para uma aplicação contextualizada deste conhecimento, métodos e instrumentos.

É nesse sentido que o curso de Especialização Residência em Arquitetura e Urbanismo pretende contribuir para atender aos princípios fundamentais contidos na Constituição Federal de 1988, na Lei Federal n° 11.888/08, tendo sua essência norteadora focada no atendimento às demandas das parcelas empobrecidas e em situação de vulnerabilidade social, para as quais o acesso à Arquitetura e Urbanismo pode se configurar como promotor de segurança e dignidade, por meio do reconhecimento de seus valores e respeito às suas demandas, de modo a
promover a qualificação de moradias e espaços de convivência.

Considerando que o Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFSC reúne plenas condições para a implantação de um curso de Especialização Residência em Arquitetura e Urbanismo, acreditamos que a primeira edição em 2024 será importante para consolidar e integrar ações em curso e suscitar aperfeiçoamentos, de forma gradual e contínua, viabilizando o acúmulo de experiências e o amadurecimento de um arranjo institucional, administrativo, acadêmico e pedagógico perene.